A História Retrospectiva: a dubiedade narrativa entre o senhor e o escravo.
A história do povo de Israel narrada no antigo testamento da Bíblia é impressionante. Um povo que viveu como escravo no Egito durante a maior parte dos quatrocentos e trinta anos que viveu nessa região e que, libertado por seu Deus, sob a liderança de Moisés, venceu diversos reinos inimigos e construiu uma grande civilização. Trata-se de uma história de redenção, uma volta por cima, em que uma nação de escravos se torna uma grande nação de senhores.
Narrativas similares são relativamente comuns em contos épicos de povos grandiosos. Os romanos, por exemplo, seguem uma linearidade parecida. Derrotados da guerra dos gregos contra Tróia, Enéas lidera os sobreviventes troianos e os transporta para a Itália (terra de onde originariamente vieram os fundadores de Tróia). Na Itália, os descendentes de Enéas e seu filho Iulo vencem territórios e instituem os costumes dos deuses, sendo Rômulo e Remo seus descendentes diretos. Roma se torna um imenso império que suplanta a vitória da Grécia sobre Tróia, pois o Império Romano acaba por dominar a própria Grécia e muito mais. Ocorre uma espécie de vingança história, uma revanche em que derrotados se tornam os grandes vitoriosos.
Entretanto, outro ponto de vista cabe ressaltar. A história desses povos nem sempre foi contada do começo para o final, ou seja, a identidade histórica muitas vezes é construída retrospectivamente: ao se saber o final, destaca-se (ou mesmo inventa-se) um começo justificador do presente. Trata-se do raciocínio inverso.
Talvez não foram os oprimidos que se tornaram senhores, mas os senhores opressores que justificam sua opressão presente por uma anterior situação em que estes se encontravam oprimidos. Um escravo grego poderia perguntar a um patrício romano o porquê de seu cativeiro e este lhe responderia que na verdade fora ele o oprimido antigamente e que os gregos estavam apenas recebendo o que mereciam. O mesmo com relação a povos de costumes diferentes dos israelitas que foram dizimados por estes.
Esse tipo de raciocínio é comum atualmente. O Estado de Israel justifica o massacre permanente ao povo palestino pela anterior barbárie do holocausto. Os EUA justifica a invasão e destruição dos Estados do Iraque e do Afeganistão pelo anterior atentado terrorista de 11 de setembro. A Igreja Católica justifica a Inquisição da Idade Média lembrando como os cristão primitivos foram perseguidos e mortos pelo Império Romano. É esse também o discurso típico burguês do self made man, que fala "você acha que foi fácil chegar onde cheguei? Tive que trabalhar muito para ganhar tudo que ganhei, comecei do zero.".
Isso nos traz uma questão importante: qual é a história verdadeira? Todavia, essa pergunta mostra-se equivocada. É impossível invalidar um lado em detrimento do outro. Os mesmos israelitas senhores de escravos são os que foram servos no Egito, os mesmos tróicos são os do Império Romano, os mesmos judeus os do holocausto e do Estado de Israel, e assim por diante. Esse dubiedade, essa dualidade, é verdadeira. Não há um lado totalmente falso. Isso não significa que tudo é válido, que mesmo dentro do lado mais sórdido é possível ter uma atuação positiva, que tudo tem um lado "bom".
O que é interessante é aprendermos com essas experiências que dentro do senhor se esconde um escravo (o melhor capataz é o ex-trabalhador, como dizem) e que dentro do escravo também, muitas vezes, esconde-se um senhor. Sim, é possível a corrupção dos oprimidos, o que é importante sempre termos em mente. Do mesmo modo, a absolutização do opressor como a maldade personificada é equivocada, pois neste há um aspecto de oprimido.
A função social exercida pelas classes certo tempo, seja de escrava ou senhora, derrotada ou vencedora, coexiste dubiamente em contradição, de modo que não é tornando-se senhor que o escravo deixa de ser escravo. Pelo contrário, ser escravo é o primeiro passo para tornar-se senhor. O fim da escravidão pressupõe o fim das justificativas, pressupõe, portanto, o fim não da condição de escravo, mas da própria instituição. O fim da luta de classes com o fim das classes.
Narrativas similares são relativamente comuns em contos épicos de povos grandiosos. Os romanos, por exemplo, seguem uma linearidade parecida. Derrotados da guerra dos gregos contra Tróia, Enéas lidera os sobreviventes troianos e os transporta para a Itália (terra de onde originariamente vieram os fundadores de Tróia). Na Itália, os descendentes de Enéas e seu filho Iulo vencem territórios e instituem os costumes dos deuses, sendo Rômulo e Remo seus descendentes diretos. Roma se torna um imenso império que suplanta a vitória da Grécia sobre Tróia, pois o Império Romano acaba por dominar a própria Grécia e muito mais. Ocorre uma espécie de vingança história, uma revanche em que derrotados se tornam os grandes vitoriosos.
Entretanto, outro ponto de vista cabe ressaltar. A história desses povos nem sempre foi contada do começo para o final, ou seja, a identidade histórica muitas vezes é construída retrospectivamente: ao se saber o final, destaca-se (ou mesmo inventa-se) um começo justificador do presente. Trata-se do raciocínio inverso.
Talvez não foram os oprimidos que se tornaram senhores, mas os senhores opressores que justificam sua opressão presente por uma anterior situação em que estes se encontravam oprimidos. Um escravo grego poderia perguntar a um patrício romano o porquê de seu cativeiro e este lhe responderia que na verdade fora ele o oprimido antigamente e que os gregos estavam apenas recebendo o que mereciam. O mesmo com relação a povos de costumes diferentes dos israelitas que foram dizimados por estes.
Esse tipo de raciocínio é comum atualmente. O Estado de Israel justifica o massacre permanente ao povo palestino pela anterior barbárie do holocausto. Os EUA justifica a invasão e destruição dos Estados do Iraque e do Afeganistão pelo anterior atentado terrorista de 11 de setembro. A Igreja Católica justifica a Inquisição da Idade Média lembrando como os cristão primitivos foram perseguidos e mortos pelo Império Romano. É esse também o discurso típico burguês do self made man, que fala "você acha que foi fácil chegar onde cheguei? Tive que trabalhar muito para ganhar tudo que ganhei, comecei do zero.".
Isso nos traz uma questão importante: qual é a história verdadeira? Todavia, essa pergunta mostra-se equivocada. É impossível invalidar um lado em detrimento do outro. Os mesmos israelitas senhores de escravos são os que foram servos no Egito, os mesmos tróicos são os do Império Romano, os mesmos judeus os do holocausto e do Estado de Israel, e assim por diante. Esse dubiedade, essa dualidade, é verdadeira. Não há um lado totalmente falso. Isso não significa que tudo é válido, que mesmo dentro do lado mais sórdido é possível ter uma atuação positiva, que tudo tem um lado "bom".
O que é interessante é aprendermos com essas experiências que dentro do senhor se esconde um escravo (o melhor capataz é o ex-trabalhador, como dizem) e que dentro do escravo também, muitas vezes, esconde-se um senhor. Sim, é possível a corrupção dos oprimidos, o que é importante sempre termos em mente. Do mesmo modo, a absolutização do opressor como a maldade personificada é equivocada, pois neste há um aspecto de oprimido.
A função social exercida pelas classes certo tempo, seja de escrava ou senhora, derrotada ou vencedora, coexiste dubiamente em contradição, de modo que não é tornando-se senhor que o escravo deixa de ser escravo. Pelo contrário, ser escravo é o primeiro passo para tornar-se senhor. O fim da escravidão pressupõe o fim das justificativas, pressupõe, portanto, o fim não da condição de escravo, mas da própria instituição. O fim da luta de classes com o fim das classes.
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