A Crise Europeia e o Capitalismo de Desastre

O ano era 1993 e a Europa, ainda deslumbrada pela queda do muro de Berlim, se uniu pelo Tratado de Maastrich em um bloco econômico e político: a União Europeia. Hoje, 27 Estados fazem parte do bloco econômico, guarda-chuva contra crises e fluxos cambiais. Entretanto, a adesão não vem de graça, os ingressantes devem cumprir metas, que geralmente consistem em aumento dos níveis de desenvolvimento econômico e social.

Porém, após mais de 15 anos de estabilidade e crescimento, a crise norte-americana de 2008 chegou às fronteiras do velho continente como uma tempestade violenta. Em 2010, as fortes pressões populares ocorridas na Grécia chamaram a atenção para a situação econômica do país, membro do bloco: para cada 100 dólares do PIB, 113,2 dólares são correspondentes à dívida do país; 13,6% do PIB corresponde ao déficit orçamentário; 167% do PIB ao montante da dívida externa e a taxa de desemprego atinge 10,2% da população.

Essa grande crise provoca desespero, a população fica anestesiada e com medo. Com isso se dá o que a jornalista norte-americana Naomi Klein chama de a primeira onda de choque. Segundo a jornalista, o neoliberalismo se aproveita de grandes crises políticas, econômicas, naturais, desastres ambientais, atentados terroristas, para nessas situações impor medidas de privatização e desregulamentação em massa, de uma só vez.

Tais situações extremas são geralmente aproveitadas e a Grécia não é uma exceção. Para tentar conter a recessão, o governo de esquerda impôs, por exigência do empréstimo de 110 bilhões de reais do FMI, como um choque, as chamadas políticas de austeridade: a idade média de aposentadoria subirá cerca de dois anos, o Estado cortará despesas na ordem de 30 mil milhões de euros, inclusive com demissões no setor público.

Essa é a segunda onda de choque neoliberal. Parece que o governo grego segue a risca os passos do capitalismo de desastre. Já anunciou: vai aplicar um plano de privatização que prevê arrecadar 3 bilhões de euros durante três anos, atingindo 49% da divisão de operações da companhia férrea OSE, 39% dos correios, 10% da Athens Water Supply and Sewerage e 23% na Thessaloniki Water Supply and Sewarage. E isso é apenas o começo.

Mas mesmo após 16 greves gerais desde o começo do ano, a Grécia não é o único membro da União Europeia a sofrer pela crise econômica e com isso impor medidas de austeridade: a Itália tem a maior dívida pública do continente, 115,2% do PIB; a Espanha tema maior taxa de desemprego, 20,1% da população; a Irlanda tem o maior déficit orçamentário, 14,3% do PIB e a maior dívida externa, 1004% do PIB. Em todos esses países houve medidas como cortes de empregos, aumento de tempo para aposentadoria, reformas trabalhistas, etc. Até mesmo o país mais rico do bloco, a Alemanha, está sofrendo: com uma dívida pública de 72,1% do PIB, cortará 10 mil empregos públicos em quatro anos. Uma coisa fica clara: quem vai pagar essa enorme dívida são os trabalhadores.

Ressalta-se que desses países um dos que mais sente os efeitos da crise, e que os sofreu de maneira imediata, é a Irlanda. Em 2006, o país era apontado pelo Índice de Liberdade Econômica como o terceiro país mais neoliberal do mundo. Nessa onda, entretanto, nem todos saem perdendo. De 2006 para 2007, o número de milionários da Irlanda aumentou em 10%. De fato, também a pobreza caiu conforme o ingresso na UE.

As crises, entretanto, costumam ser catalisadoras desses dois tipos de crescimento: de um lado aumentam os milionários, de outro, aumentam os pobres. Assim é o exemplo histórico do Chile de Pinochet, primeira experiência neoliberal, em que os 10% mais ricos aumentaram sua renda em 83%, enquanto o país se tornou o 8° mais desigual do mundo. A Polônia do Solidariedade, e de Jeffrey Sachs, controlou a inflação de 600%, mas levou 59% da população a viver abaixo da linha da pobreza. A "democratização" da Rússia de Yéltsin criou uma máfia de milionários e deixou 3,5 milhões de desabrigados. A crise funciona como um Robin Hood às avessas: tira dos pobres para dar aos ricos.

É isso que Naomi Klein chama de capitalismo de desastre, de doutrina de choque. O neoliberalismo aprendeu a se moldar pelas crises. A primeira onda de choque é o desastre, a segunda onda são as medidas políticas e econômicas e a terceira onda é a repressão.

Em todas essas experiências o Estado mínimo foi forte o bastante para quebrar a resistência popular à força. Yéltsin bombardeou o parlamento e prendeu 1700 manifestantes, Thatcher reprimiu a greve dos carvoeiros e demitiu quase 1000 trabalhadores de uma só vez, Pinochet torturou milhares, a China de Deng Xiaoping e Hu Jintao é uma das ditaduras mais terríveis da história.

A ameaça da terceira onda é presente na realidade europeia. As manchetes sobre a Grécia mostram: violência entre policiais e manifestantes, greve geral deixa três mortos, governo reforça contingente policial em dia de greve, e assim por diante.

A social democracia da Europa e o bem-estar social do pós-guerra estão ruindo. Os utópicos anos 90 e a União Europeia estão com os dias contados e velhas sombras ressurgem das cinzas do continente. De um lado, medidas fascistas em países como a Itália de Berlusconi; de outro, o comunismo se torna mais presente e a organização dos trabalhadores mais forte. De uma forma ou de outra, uma coisa é certa: a utopia liberal acabou e tudo que é sólido se desmancha no ar.

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